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12/07/22

Lei nº 14.382/2022 e o Registro de Títulos e Documentos

(Comentários artigo por artigo) - Por Rainey Marinho

 

 

 

 

 

 

 

No dia 27 de dezembro de 2021, foi publicada a Medida Provisória nº 1.085, que muito além de instituir o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP, tem como objetivo modernizar o sistema registral brasileiro por meio de mudanças na Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – Lei de Registros Públicos (LRP) e leis correlatas.

  1. INTRODUÇÃO

Após longos debates em ambas as casas legislativas do Congresso Nacional, o Projeto de Lei de Conversão foi encaminhado para o Presidente da República, que no dia 27 de junho de 2022, sancionou, com vetos, a Lei nº 14.382.

Para o Registro de Títulos e Documentos (RTD), o resultado final da Medida Provisória foi um saldo positivo. Observaremos que algumas das disposições normatizaram importantes questões afetas à especialidade e que eram objetos de debates doutrinários e jurisprudenciais até os dias atuais.

Nesse trabalho, trataremos de cada uma das alterações promovidas na Lei nº 6.015/75 referentes ao RTD. Traremos cada uma dessas disposições de forma individualizada, com breves comentários que entendemos necessários.

2.DESENVOLVIMENTO

No que tem pertinência com nosso tema específico, que é o Registro de Títulos e Documentos, a primeira novidade diz respeito à amplitude da publicidade daqueles documentos registrados de forma facultativa, para fins de guarda e conservação.

A Lei nº 14.382/2022 incluiu na Lei de Registros Públicos o artigo 127-A, que finalmente disciplinou a publicidade restrita dessa espécie de registro:

Art. 127-A. O registro facultativo para conservação de documentos ou conjunto de documentos de que trata o inciso VII do caput do art. 127 desta Lei terá a finalidade de arquivamento de conteúdo e data, não gerará efeitos em relação a terceiros e não poderá servir como instrumento para cobrança de dividas, mesmo que de forma velada, nem para protesto, notificação extrajudicial, medida judicial ou negativação nos serviços de proteção ao crédito ou congêneres.
§1º O acesso ao conteúdo do registro efetuado na forma prevista no caput deste artigo é restrito ao requerente, vedada a utilização do registro para qualquer outra finalidade, ressalvadas:

I – requisição da autoridade tributária, em caso de negativa de autorização sem justificativa aceita; e

II – determinação judicial.

§2º Quando se tratar de registro para fins de conservação de documentos de interesse fiscal, administrativo ou judicial, o apresentante poderá autorizar, a qualquer momento, a sua disponibilização para os órgãos públicos pertinentes, que poderão acessa-los por meio do Serp, sem ônus, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, dispensada a guarda pelo apresentante.
§3º A certificação do registro será feita por termo, com indicação do número total de páginas registradas, dispensada a chancela ou rubrica em qualquer uma delas.

 

O caput do artigo traz a configuração da publicidade restrita dos documentos registrados para fins de guarda e conservação ao determinar que esse tipo de registro terá como única finalidade o arquivamento de conteúdo e a fixação de data. Títulos e Documentos registrados dessa forma não gerarão efeitos em relação a terceiros e não poderão servir como instrumento para cobrança de dividas, mesmo que de forma velada, nem para protesto, notificação extrajudicial, medida judicial ou negativação nos serviços de proteção ao crédito ou congêneres.

Apesar de o tema ser objeto de posições doutrinárias divergentes, o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil – IRTDPJBrasil vinha defendendo a publicidade restrita desse registro antes mesmo da edição da Medida Provisória. Por exemplo, no informativo de nº 431, de 18 de novembro de 2021[1], foi publicada resposta da Consultoria Jurídica afirmando que um Instrumento Particular de Dação em Pagamento e Outras Avenças poderia ingressar no RTD com fundamento no art. 127, VII, da LRP, desde que o interessado fizesse requerimento expresso nesse sentido e as partes houvessem sido previamente informadas sobre a publicidade restrita desse tipo de registro.

Em razão dessa característica específica, agiu bem o legislador em disciplinar também o acesso de autoridades judiciais e administrativas a esses documentos. De acordo com a redação do §1º, o acesso ao conteúdo do documento registrado para fins de guarda e conservação é restrito ao requerente, ressalvada a requisição de autoridade tributária e/ou determinação judicial.

No mesmo sentido, prevê a atual redação do §2º que o apresentante poderá autorizar, a qualquer momento, a disponibilização do conteúdo do documento para órgãos públicos que tenham interesse fiscal, administrativo ou judicial. A autorização aqui deverá ser expressa, cabendo ao Oficial requerê-la.

O legislador determinou também que a certificação desse registro deverá ser feita por termo, com a indicação do número total de páginas registradas, sendo dispensada a chancela ou rubrica em qualquer uma delas (§3º).

Avançando um pouco na análise da norma, mas ainda sobre o registro facultativo para fins de guarda e conservação, foram criados dois novos livros para o RTD: o Livro F e o Livro G. O primeiro para os documentos registrados dessa forma, e o segundo, para indexar os apresentantes. Veja-se a alteração promovida no art. 132 da LRP:

 

Art. 132. …
[…]
VI – Livro F – para o registro facultativo de documentos ou conjunto de documentos para conservação de que tratam o inciso VII do caput do art. 127 e o art. 127-A desta Lei; e
VII – Livro G – indicador pessoal específico para o repositório dos normas dos apresentantes que figurarem no Livro F, do qual deverá constar o respectivo número do registro, o nome do apresentante e o seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia ou, no caso de pessoa jurídica, a denominação do apresentante e o seu número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica da Secretara Especial da Receita Federal do Brasil no Ministério da Economia.

 

Retomando nossa análise, a Lei nº 14.382/2022 alterou também a redação do artigo 129 da LRP, dispositivo que prevê o ingresso obrigatório de determinados instrumentos no Registro de Títulos e Documentos como condição para surtir efeitos em relação a terceiros.

A maioria das mudanças no dispositivo foi de modificação de redação e de mera realocação de serviços para os itens 9º e 10º. Por isso, e com o intuito de facilitar a compreensão do leitor, apresenta-se abaixo tabela que compara a antiga redação da LRP com a redação dada pela Lei nº 14.382/2022:

Redação anterior da Lei de Registros Públicos Redação c/ alterações dada pela Lei nº 14.382/2022
Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:
1º) os contratos de locação de prédios, sem prejuízo do disposto no artigo 167, I, nº 3; 1º) os contratos de locação de prédios, sem prejuízo do disposto no artigo 167, I, nº 3;
2º) os documentos decorrentes de depósitos, ou de caução feitos em garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos instrumento; 2º) REVOGADO
3º) as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado; 3º) as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado;
4º) os contrato de locação de serviços não atribuídos a outras repartições; 4º) os contrato de locação de serviços não atribuídos a outras repartições;
5º) os contratos de compra e venda em prestações com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária; 5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, e os contratos de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis;
6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal; 6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;
7º) as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam; 7º) as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam;
8º) os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior; 8º) os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior;
9º) os instrumento de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento; 9º) os instrumentos de sub-rogação e de dação em pagamento;
10º) a cessão de direitos e de créditos, a reserva de domínio e a alienação fiduciária de bens móveis;
11º) as constrições judiciais ou administrativas sobre bens móveis corpóreos e sobre direitos de crédito.
§1º A inscrição em dívida ativa da Fazenda Pública não se sujeita ao registro de que trata o caput deste artigo para efeito da presunção de fraude de que trata o art. 185 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).
§2º O disposto no caput deste artigo não se aplica ao registro e à constituição de ônus e de gravames previstos em legislação específica, inclusive o estabelecido:

I – na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Transito Brasileiro);

II – no art. 26 da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013.

 

A leitura da tabela permite compreender que a grande novidade foi a criação de um novo serviço para o RTD: o registro das constrições judiciais ou administrativas sobre bens móveis corpóreos e sobre direitos de crédito (item 11º).

Esse novo serviço trará, com toda certeza, uma maior segurança jurídica às transações que envolvam bens móveis ou direitos de crédito, o que favorecerá o ambiente de negócios do país e, consequentemente, sua posição no ranking de países com os melhores ambientes de negócios. Essas são as principais preocupações do Governo Federal.

Porém, para que esse novo serviço opere e alcance o objetivo almejado, seria necessária a criação do indicador real no âmbito do RTD, que permitisse o cruzamento com o indicador pessoal (Livro D), possibilitando a identificação dos devedores e dos bens móveis e direitos creditórios por eles já dados em garantia.

Nesse sentido, mais uma vez, foi precisa a nova legislação quando alterou o artigo 132 da Lei de Registros Públicos, reescrevendo o inciso IV e acrescentando o inciso V, que prevê a criação do Livro E no Registro de Títulos e Documentos para inserção dos indicadores reais:

Art. 132. …
[…]
IV – Livro D – indicador pessoal, substituível pelo sistema de fichas, a critério e sob a responsabilidade do oficial, o qual é obrigado a fornecer com presteza as certidões pedidas pelos nomes das partes que figurem, por qualquer modo, nos livros registros;
V – Livro E – indicador real, para matrícula de todos os bens móveis que figurarem nos demais livros, devendo conter sua identificação, referência aos números de ordem dos outros livros e anotações necessárias, inclusive direitos e ônus incidentes sobre eles.

 

Outra importante alteração para o RTD aconteceu no artigo 130 da Lei nº 6.015/73, que, ao tratar da competência territorial para o registro, previa como competente o domicílio das partes contratantes quando residentes na mesma circunscrição; na hipótese de residirem em circunscrição diversa, o registro deveria ser feito em todas elas.

A Lei nº 14.382/2022 trouxe nova redação ao dispositivo, eliminando os múltiplos registros:

Art. 130. Os atos enumerados nos arts. 127 e 129 desta Lei serão registrados no domicilio:

I – das partes, quando residirem na mesma circunscrição territorial;

II – de um dos devedores ou garantidores, quando as partes residirem em circunscrições territoriais diversas; ou

III – de uma das partes, quando não houver devedor ou garantidor.

§1º Os atos de que trata este artigo produzirão efeitos a partir da data do registro.
§2º O registro de títulos e documentos não exigirá reconhecimento de firma, e caberá exclusivamente ao apresentante a responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes de documentos particulares.
§3º O documento de quitação ou de exoneração da obrigação constante do título registrado, quando apresentado em meio físico, deverá conter o reconhecimento de firma do credor.

 

Tem-se, portanto, uma importante alteração da competência territorial que, agora, prevê também a circunscrição do garantidor e deixa de exigir que o documento seja registrado em mais de uma circunscrição.

O §1º, por sua vez, revoga a antiga previsão de que o registro deveria ser feito no prazo de 20 (vinte) dias da assinatura pelas partes, para ter validade desde então.

Outra novidade legislativa que vem ao encontro da desburocratização dos serviços cartorários está prevista no §2º, que prevê a dispensa do reconhecimento de firma das assinaturas constantes do título ou documento apresentando, sendo de inteira responsabilidade do apresentante a autenticidade delas.

De forma diversa, o §3º exige o reconhecimento de firma do credor quando o documento levado a registro for de quitação ou de exoneração da obrigação.

Caminhando para o final da análise das principais mudanças provocadas no Registro de Títulos e Documentos, cumpre mencionar a alteração promovida no artigo 161 da LRP, com a modificação da redação de seu caput e a supressão de seus parágrafos:

Art. 161. As certidões do registro de títulos e documentos terão a mesma eficácia e o mesmo valor probante dos documentos originais registrados, físicos ou nato-digitais, ressalvado o incidente de falsidade destes, oportunamente levantado em juízo.

 

A nova redação vem para dar força probante e eficácia a todas as certidões emitidas pelos Oficiais de RTD, bem como para promover a atualização e a modernização quanto aos documentos nato-digitais, pecando a redação ao não mencionar os documentos digitalizados.

Por fim, o artigo 20 da Lei nº 14.382/2022 revoga o inciso IV do artigo 127 da LRP, que previa a transcrição no Registro de Títulos e Documentos do contrato de penhor de animais, não compreendido nas disposições do artigo 10 da Lei nº 492, de 30 de agosto de 1934.

Conclui-se que a redação do Projeto de Lei de Conversão, naquilo que afeta ao Registro de Títulos e Documentos, coloca a especialidade na vanguarda.

O surgimento da “matrícula” de bens móveis, por meio do Livro E, por exemplo, vem ao encontro não apenas dos anseios do Governo Federal, mas de um desejo antigo de nossa classe, e merece destaque especial.

De uma forma geral, podemos afirmar que importantes alterações foram promovidas em nossa lei de regência, que pontos controvertidos foram agora solucionados e que novos serviços foram criados. Os cartórios de RTD estão prontos e ansiosos para cumprir com essa modernização e com toda a confiança depositada pelo Ministério da Economia, que desenvolveu esse trabalho em conjunto com os Oficiais de Registro, num grupo de trabalho que preparou a Medida Provisória.

[1] Acessível em: https://www.eventosirtdpjbrasil.org/so/21NqpwHmd?languageTag=en#/main

**Rainey Barbosa Alves Marinho

Oficial de Registro de Títulos e Documentos,

Pessoa Jurídica e Notas de Maceió

Presidente do IRTDPJBrasil

Presidente da ANOREG/AL

Fonte: https://www.irtdpjbrasil.org.br/